A nova série original da Netflix apresenta um cenário distópico em que os povos se separam em "lado de cá", também chamado de Continente, à margem da sociedade, onde habita toda a pobreza; e "lado de lá", Maralto, utopia de poucos, rica e tecnológica. Apenas 3% da população poderá ter acesso ao Maralto, mas será necessário aderir a um processo seletivo meritocrata.
O Processo, como é chamado, ocorre uma vez por ano. Jovens que completam 20 anos de idade submetem-se a uma série de provas que os testará à exaustão para decidir quem faz parte do 3% que é digno de viver no Maralto; e quem volta para o Continente.
Em meio aos inúmeros testes, entretanto, não é apenas a sua capacidade ou habilidade que será levada em conta. É tudo para estar entre os 3%. Em um jogo como esse, não são todos os participantes que decidem seguir o caminho da honestidade. Valores são deixados de lado e trapaças ocorrem a todo momento para garantir seu lugar.
Tudo é valido, afinal, o chefe não se importa com o "como" os candidatos irão atingir o objetivo, mas apenas com o resultado. Ezequiel, o chefe que tudo observa, é sistemático e não se deixa levar pelas emoções na hora de selecionar os novos membros do Maralto.
De contrapartida temos a Causa, um grupo revolucionário que planeja acabar com esse sistema meritocrata que discrimina as pessoas, afirmando ser injusto e cruel apenas 3% de toda a sociedade ter o direito a uma boa vida no "lado melhor", inconformados com "o bom para poucos".
A série é a primeira produção nacional da Netflix, criada por Pedro Aguilera e com César Charlone (indicado ao Oscar 2002 por Cidade de Deus, na categoria fotografia) na direção. Com as distopias em alta, 3% é apenas mais um ótimo título no grande catálogo mundial e que acaba nos aproximando desta realidade hipotética pelo cenário brasileiríssimo.
O trabalho de câmeras assemelha-se da cinematografia europeia, caminhando livremente entre os personagens sem se preocupar com os planos e "plongées" mortos, mais casuais em séries televisivas. A vivacidade das câmeras ajudam a criar um ambiente de tensão, captando com mais efetividade as expressões dos personagens, como se estivéssemos ao lado deles.
Por um lado, 3% tenta explorar o mais profundo "eu" de cada um dos personagens, todos multifacetados, a ambiguidade e contradição é comum. Evoluindo-os ou apresentando suas verdades ocultas no decorrer dos episódios, aumentando a complexidade de cada um e de seus reais motivos para estarem no Processo. O "gosto desse" seguido de um "não gosto mais" na busca por um favorito na série é constante, pequenas surpresas que fazem a diferença.
Não só os personagens crescem dentro do contexto seletivo, mas as relações entre os mesmos acompanha tal ritmo. Amizades, parcerias e romances recebem certo espaço, mas sobreviver em meio ao oportunismo e o desejo de sobreviver a todo e qualquer custo é uma tarefa árdua.
Por outro lado, peca com algumas atuações deixam a desejar e tornam o diálogo, por vezes, pesado e falso. Enquanto algumas encenações amadurecem entre as cenas, outras mantem-se estagnadas e atrapalham o desenvolvimento das ações com seu drama exagerado. Entretanto, são pequenas ressalvas que dá para lidar, uma vez que boa cota dos protagonistas conseguem segurar a barra com seus interpretados.
Rodolfo Valente é um dos atores destaque que, no papel de Rafael, vive um dos personagens mais importantes e complexos de 3%. Ao longo dos oito episódios da primeira temporada, conheceremos o Rafael pré e pós-Processo, com as multifaces muito bem reproduzidas por aquele que, outrora, interpretou Pedrinho em O Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Em certo ponto, 3% assemelha-se ao clássico distópico Admirável Mundo Novo (assim como qualquer outra produção da área). A discriminação dos povos é similar ao selvagens (marginalizados) e os alfa-betas (parcela detentora de conhecimento e riqueza) apresentados na obra de Aldous Huxley.
Ainda assim, acho justo dizer que está mais para uma versão de Jogos Vorazes (longe de qualquer preconceito que se possa ter com uma obra teen), principalmente pela competição entre jovens pouco favorecidos em busca da sobrevivência, competição criada para lembrar os civis da autoridade da Capital.
Com revelações interruptas e os nervos a flor da pele, a produção brasileira consegue ficar lado a lado com grandes distopias internacionais - incluindo o seriado Black Mirror, aclamado pelos fãs e mídia. O episódio final engata um gancho para a segunda temporada de 3%, da qual fãs já podem criar suas teorias e especulações sem medo de se decepcionar com que pode vir no próximo encontro.
Vale a pena maratonar e conhecer um pouco do que o Brasil tem a oferecer culturalmente.
2 Comentários
Essa serie é muita velha, eu vi isso ainda estava no ensino médio, terceiro ano se não me engano. Ela passou na cultura somente tinha três episodios ela também tinha disponível no Youtube, mas somente três episodios o que me deixou muito chateada.
ResponderExcluirPelo que vi do trailer e como um remake baseada na original, bem a original era uma coisa bem undergroud, e com umas ideias que talvez os jovens de hoje não assimilhassem, ela surgiu antes de jogos vorazes mas como eu disse, a original tinha muito poucos episodios, talvez essa seja a continuação que eu estava esperando ja que ela termina com eles entrando, e não mostra mais nada, enfim ela termina cheia de perguntas. Quando eu puder eu vou dar uma conferida, no momento estou vendo Buffy <3
Bjs, amei sua postagem e bom falar das coisas nacionais.
Sim, os produtores de seriados internacionais da Netflix encontraram esses arquivos antigos de 3% no youtube e conversaram com os responsáveis para fazer o remake. Quando o trabalho é independente, por mais que seja bom, é difícil ir para frente.
ExcluirNão cheguei a assistir a versão original, mas pelo o que você diz, acredito que tenham adaptado para a atualidade dos "jovens 2016", que tem uma mentalidade muito diferente da de anos atrás (mesmo que seja menos de uma década, tudo está avançando muito rápido hoje em dia).
Essa febre de Jogos Vorazes foi um empurrão para trazer de volta as distopias que ficaram meio perdidas lá nos anos 50 e, vou confessar para você, eu estou adorando tudo isso. Como grande fã de Admirável Mundo Novo e 1984, vejo tudo o que é lançado sobre o assunto e acabo me viciando também. 3% não foi diferente, haha.
Temos que apreciar a cultura nacional. Apesar de, como nós duas, ter esse desejo cultural mais voltado para a Ásia, não dá para negar que o Brasil também produz coisas incríveis, né? Espero que a Netflix continue investindo no nosso país para termos acesso a mais conteúdos incríveis como este.
Beijos e obrigada pelo comentário, Taina!