Sharpay Evans (Ashley Tisdale) foi um dos maiores destaques para as crianças e adolescentes que formam a geração High School Musical (2006): o filme, primeiro de uma trilogia de sucesso produzida pela Disney, retoma o Ensino Médio como ambiente central da narrativa e enquanto Gabriella Montez (Vanessa Hudgens) e Troy Bolton (Zac Efron) vivem um romance musical, Sharpay aparece como a perfeita personificação do estereótipo de patricinha (já comentado aqui no blog em outra publicação) e, como esperado, no papel de vilã.
Uma teoria publicada por um fã no Twitter em 2017 tenta provar o contrário: Segundo o texto, Sharpay é uma artista talentosa e treinada que dedicou toda a sua vida ao teatro musical, mas é deixada de lado na peça da escola quando Gabriella e Troy, iniciantes de karaokê, resolvem participar apenas por diversão e, mesmo chegando atrasados nas audições, ganham os papéis principais. Quando Sharpay sugere que eles sejam os coadjuvantes, passa a ser levada como a malvada da história, mas era apenas esperado que iniciantes comecem "por baixo".
No dia da apresentação do musical, o casal chega atrasado, sem o figurino e Gabriella congela no palco, demonstrando a sua falta de profissionalismo por ser uma iniciante que, segundo o artigo, não merecia protagonizar a cena. Mesmo após ter seus sonhos destruídos e finalizar o ano sem nenhuma conquista, Sharpay demonstra maturidade ao desejar boa sorte a Gabriella.
"Se você é popular e faz alguma coisa, você vai se sair muito bem, mas se você dedicar sua vida inteira a algo, você será visto como vilão e se torna a pessoa errada na história", diz o trecho retirado de um artigo do Buzzfeed que traduziu e resumiu o texto já não mais existente no Twitter após a conta ter sido suspensa.
Essa teoria colabora com a quebra da representação estereotipada da "patricinha" como garota má nos cinemas: Sharpay pode ser rica, loira e estar sempre fabulosa em roupas com tons de rosa, mas ela era dedicada, talentosa e não merecia ter seu sonho roubado por alguém que em momento algum lutou por isso, como Gabriela, que embora de família financeiramente humilde, tinha tudo o que o dinheiro não podia comprar - incluindo um grande amor.
Não que Gabriella tenha agido intencionalmente: a protagonista apenas estava se divertindo e vivendo o momento da melhor forma que podia, aproveitando cada oportunidade que aparecia em sua frente, mas não demonstrou muita compaixão com sua colega de palco e seus sonhos - afinal, se Sharpay é rica, ela pode ter o que quiser, não é? Mas as coisas não foram exatamente assim com a dita antagonista. O motivo? A imagem que as pessoas têm dela.
"Eu só quero acordar toda manhã e estar nos palcos"
Entretanto, sejamos realistas, isso não muda o fato de que Sharpay era um tanto esnobe: seja por ignorância ou arrogância, a personagem não se demonstrava muito humilde no fim das contas, sempre torcendo o nariz para tudo e todos, o que colabora com que sua presença pública não seja lá a das mais agradáveis - enquanto Gabriella é a personificação da bondade e da pureza, representando, por sua vez, o estereótipo da heroína de grande coração.
Nesse ponto, Sharpay tem culpa, sim: nossos sonhos não são permissão para menosprezar os sentimentos alheios com atitudes rudes. É necessário, sim, que tenhamos amor próprio e confiança de nossos talentos, mas para que nossos sonhos sejam realizados, isso não basta: é preciso respeitar o próximo, e a personagem falha neste quesito em diversos momentos do filme, ainda que se demonstre uma pessoa melhor nos atos finais. Isso porque ela é uma personagem redonda, humanizada, com qualidades e defeitos.
As pessoas não são um estereótipo superficial de faceta única: todos nós temos momentos bons e maus, assim como ambas Sharpay e Gabriella demonstraram ao longo do filme. O motivo por só Sharpay ter sido criticada e ninguém até então ter tentado compreender seu lado é justamente pela personagem encaixar-se no estereótipo de vilã por convenção. Isso não deve ocorrer - seja na vida real ou na ficção, afinal, esta é um reflexo da realidade. Sharpay foi vilã, mas também foi vítima e nenhum de nós está ileso de passar por isso.
Essa publicação faz parte de um artigo que apresentei na faculdade de Letras, em 2018. A primeira parte, sobre Sierra Burgess e a relação da série com Felicidade Clandestina, conto de Clarice Lispector, foi publicada anteriormente e pode ser lida aqui.
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