Escrito por Juan Jullian, Querido Ex, (que acabou com a minha saúde mental, ficou milionário e virou uma subcelebridade) já passou por diversas publicações até chegar a Galera Record em setembro de 2020, uma das melhores casas editorais atualmente disponíveis no mercado brasileiro para obras repletas de representatividade como essa.
O romance epistolar apresenta diversas cartas de um remetente jovem, negro e mentalmente destruído após o término de um relacionamento abusivo. Nomes não são citados, mas seu ex ganhou gama após participar de um reality show líder de audiência e recentemente anunciou seu casamento. Essas cartas são uma forma de lidar com seu maldito ex, em meio a consultas com psicólogos e eventos do cotidiano que parecem fazê-lo finalmente começar a dar passos para frente, mas logo o voltam a regredir porque a vida é uma eterna gangorra de desgraças.
O protagonista coloca em cena inúmeras questões de grandíssima importância, expondo os preconceitos que sofre como gay, como negro e como um gay negro, constantemente acompanhado do sentimento de insuficiência, regado pela dependência e controle até então não perceptível de um namorado branco que jamais reconheceria seus privilégios ou o peso deles sobre a outra parte da relação, sempre submissa, mas não totalmente inocente.
Aos poucos o livro revela detalhes sobre a vida do remente anônimo, e, quanto mais ela se desenvolve, menos o livro funciona. A narrativa de Juan é genial, extremamente jovem e cheia de referências a cultura pop que ajudam a carregar esse conteúdo tão pesado de forma um pouco mais leve e até mesmo divertida, mas repleta de gatilhos que são apresentados de forma bastante irresponsável.
Uma das cartas, em especial, traz gatilhos fortes e completamente não sinalizados que, não obstante, são levantados de forma ainda mais angustiante ao fim do livro. O protagonista tenta demonstrar superação, mas a forma como isso ocorre aparenta ser mais uma contentamento, principalmente com todos os fatos de seus abusos sofridos expostos na mesa. Como diz a própria citação de As Vantagens de Ser Invisível que abre o livro, "Nós aceitamos o amor que achamos que merecemos".
Não, remetente. Você merece muito mais do que isso, e você merecia muito mais do que o final que teve. O último capítulo é quase que um epílogo de tão a parte da história central, apresentando um novo narrador e eventos não só anticlimáticos, mas que parecem apagar toda a sua história. É como se tudo o que foi construído nas 160 páginas anteriores tivesse sido jogado no lixo. Como se todo o esforço do protagonista fosse em vão. Como se ele — e os gays negros, em geral — não tivesse direito a felicidade.
Defendo e até gosto de finais mais tristes e realistas, mas não gostei do negativismo com o qual essa obra foi encerrada. Ao fechar o livro a vontade que tive era de ignorar por completo esse último capítulo, fingir que nunca o li e que o Querido Ex, acabou no anterior.
Mesmo como uma mulher branca, hétero e cis, havia conseguido me ver em alguns dos dramas narrados pelo protagonista no desenvolvimento da história, sobre como relacionamentos abusivos podem ser universais, e Querido Ex, é de fato relevante ainda em toda a sua discussão sobre racismo, homofobia e quando os dois crimes andam juntos, mas não consigo recomendar um livro cujo final me deixou tão decepcionada. É tão ambíguo e triste esse sentimento. Queria muito ter gostado mais da obra.
Espero, entretanto, ansiosa pelos próximos livros de Juan Jullian para conferir mais de sua cativante escrita. Ele é inegavelmente um ótimo escritor, e o fato dessa história não ter funcionado comigo ou de seu fim não ter atendido às minhas expectativas não apaga o entretenimento que tive ao ler boa parte das cartas.
Caso tenha se interessado pela obra e deseja lê-la para ter sua própria percepção a respeito do livro, Querido Ex, está disponível para venda na Amazon.
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