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A princesa, o herói e o elo: uma análise do triângulo amoroso de Start-Up (Apostando Alto)

A princesa, o herói e o elo: uma análise do triângulo amoroso de Start-Up (Apostando Alto)

Start-Up, também conhecido no Brasil como Apostando Alto, é um dos dramas sul-coreanos de maior sucesso do ano de 2020. Sua exibição pela Netflix tornou-o mais acessível ao público brasileiro, que não perdeu tempo em abraçá-lo e transformar seus personagens principais no centro de debates quanto a formação de um triângulo amoroso que dividiu a opinião do público.

Para entender melhor o papel de cada um desses personagens dentro da história e de como suas criações afetam o interesse do público sobre eles, revisito minhas aulas de teoria literária na graduação em Letras para levantar uma análise acerca de elementos de contos de fadas, arquétipos, jornada do herói e tridimensionalidade de Seo Dalmi, Nam Dosan e Han Jipyeong, respectivamente a princesa, o herói e o elo.

Seo Dalmi, a princesa contemporânea

A personagem de Suzy em Start-Up vive o misto de dois arquétipos: exploradora e amante. Ao mesmo tempo em que busca descobrir sua própria identidade e seu espaço no mundo, Dalmi é uma personagem que também luta pelo amor, seja ele romântico ou uma mera aprovação social, vistos em suas jornadas de conexão com Dosan, interesse amoroso, e Injae, irmã. 

Ela é uma espécie de princesa contemporânea: embora ela tenha suas próprias narrativas de ambições e forte senso ético quanto ao seu desenvolvimento pessoal, o que faria dela uma deusa justiceira, uma Atena, o público demonstra mais interesse em descobrir com quem ela se casará no final da trama, colocando-a em uma interpretação superficial de princesa de contos de fadas.

Sua contemporaneidade se dá em sua luta pessoal: mesmo vindo de uma posição de desvantagens, Dalmi se mostra forte em sua jornada para comprovar seu valor e seus valores, prezando pela honestidade (ainda que o caminho seja mais árduo) para atingir seus objetivos. Ela é forte e independente, não precisando de um príncipe para resgatá-la, mas ainda se permitindo a sonhar com um romance de contos de fadas, à espera do príncipe no cavalo branco, presa à ilusão de um homem perfeito que criou a partir de cartas falsas. 

Ser romântica não a torna menos independente, mas a forma como seu coração é abordado na trama de Start-Up faz com que o público tenha mais interesse em suas jornadas amorosas do que em seu caminho de crescimento profissional e pessoal. Desta forma, ela é quase como a Ariel, de A Pequena Sereia: tudo o que fez foi visando realizar seus sonhos e conquistar sua independência, mas um envolvimento amoroso e sua personalidade romântica fazem com que ela seja majoritariamente interpretada como apenas parte de um relacionamento, e não de uma figura completa em si mesma como de fato é.

O problema, no caso, não está unicamente na construção e elaboração da personagem, mas em parte no favoritismo do público pelo aspecto romântico da narrativa acima do aspecto profissional — o que também é impulsionado pelo gênero da obra que, ainda que tenha o mundo business como plano de fundo, não deixa de ser uma comédia romântica. É, de certo modo, proposital que o espectador leve a personagem mais como uma princesa do que como uma heroína, embora ela seja ambos. Em termos de Star Wars, Dalmi é a Princesa Leia dos k-dramas.

A princesa, o herói e o elo: uma análise do triângulo amoroso de Start-Up (Apostando Alto)

Nam Dosan, o herói do monomito 

Monomito, mais conhecido como Jornada do Herói, é um conceito que permeia diversas narrativas fictícias, incluindo uma jornada cíclica que leva um protagonista inicialmente mundano a ganhar confiança e força enquanto gradualmente se transforma em um herói, ainda que sem superpoderes, mas com uma motivação capaz de mudar o seu mundo e o das pessoas ao seu redor.

Os estudos de Christopher Vogler incluem 12 estágios que podem ser percebidos no desenvolvimento de Nam Dosan em Start-Up. Segue uma análise resumida:

1. Mundo Comum: Dosan é um cara comum, de origem pobre e sem muitas oportunidades de crescer na vida.
2. O Chamado da Aventura: ele é convocado a fingir ser o garoto das cartas.
3. Recusa do Chamado: inicialmente ela nega o desafio.
4. Encontro com o Mentor: Jipyeong o treina para seu desafio, ensinando-o a encarar o que vem a seguir.
5. Cruzamento do Primeiro Portal: quando Dosan assume o papel do garoto das cartas pela primeira vez, apresentando-se para Dalmi durante a festa.
6. A Barriga da Baleia: seus primeiros obstáculos começam a aparecer conforme ele ganha sentimentos por Dalmi.
7. Aproximação: suas primeiras pequenas vitórias são quando Dalmi corresponde seus sentimentos, dizendo que gosta de suas mãos grandes e demonstrando interesse de outras formas.
8. Provação Difícil: sua maior crise é experienciada quando Dalmi o magoa ao terminar com ele. 
9. Recompensa: ele ganha dinheiro e reconhecimento nos Estados Unidos, o que tornará seu caminho mais fácil.
10. O Caminho de Volta: Dosan volta para a Coreia do Sul renovado e novamente tentará atingir seus objetivos profissionais e românticos.
11. Ressureição do Herói: seu desafio final é lutar contra Jipyeong pelo coração de Dalmi.
12. Regresso com o Elixir: o sucesso em sua jornada. Este, entretanto, ainda não está concluído, visto que o drama ainda não chegou ao fim e, portanto, sua jornada continua até o episódio 16. 

Se for seguir toda a Jornada do Herói, é esperado que no episódio final Dosan finalmente consiga o seu felizes para sempre com Dalmi, além de ajudar todos a sua volta com o sucesso de sua carreira. Ele é um Harry Potter da dramaturgia coreana, cujo destino o fez sair do anonimato para se transformar em uma figura pública bem-sucedida tanto no meio profissional quanto no romântico, prezando ainda pela benevolência e amizade. O típico personagens cujas imperfeições fazem dele o herói perfeito.

Entretanto, personagens que seguem a Jornada do Herói, como Harry Potter, Luke Skywalker, Peter Parker e tantos outros são, por vezes, incompreendidos ou menosprezados pelo público. O conceito torna nítido que eles, apesar das inúmeras provações, estão destinados a se darem bem por serem os protagonistas, e o ciclo previsível torna estes personagens cansativos para alguns espectadores mais realistas, que preferem o adverso ao imaginário, deixando-os a serem apreciados por aqueles que apreciam o clichê dessas etapas e o romancismo dos contos de fadas.


Han Jipyeong, o elo complexo

Depois de uma princesa e de um herói, só faltava a fada madrinha para esse conto fantástico ficar completo, e Jipyeong cumpre com esse papel ao ser descrito como o elo entre o casal principal.

Desde o começo, quando aceitou ajudar a avó de Dalmi a escrever as cartas, assinou seu destino como aquele que conectaria Dalmi a Dosan. A ideia nunca foi que ele assumisse o papel de interesse romântico da protagonista, mas que servisse como uma escada ou caminho, guiando a personagem feminina para que a sua jornada romântica ao lado de Dosan se concretizasse. 

Como prova de sua ajuda, Jipyeong trabalha ao escrever as cartas de 15 anos atrás e, no presente, aceita o papel de mentor do Dosan verdadeiro, dando-lhe o empurrão final para que seu caminho se cruzasse com o de Dalmi. Entretanto, os poderes das fadas madrinhas são limitados e cabe aos protagonistas fazerem o resto por si mesmos.

Para além dos estereótipos que a função lhe dão, Jipyeong ganha maior complexidade ao desenvolver sentimentos por Dalmi, tornando sua missão de ajudá-la em algo cada vez mais difícil: ele sabe que não lhe cabe, que não faz parte de seu destino e, portanto, tenta lutar contra suas emoções, mas não consegue. 

Suas novas intenções românticas por Dalmi colocam obstáculos na jornada dela rumo ao seu desfecho com Dosan, mas ele não pode ser confundido um anti-herói, tampouco um vilão: apesar de trazer esses empecilhos para o destino do casal protagonista, ele é bem intencionado e suas ações egoístas duram pouco, pois não é de seu feitio agir contra a felicidade de Dalmi, ainda que isso acarrete em sua própria tristeza. 

Seu arquétipo, segundo a teoria de Jung, é de cuidador: ele observa pelos outros e coloca a felicidade daqueles que ama acima da própria, transformando-se em um mártir. Esses personagens tendem a cair no gosto do público devido a sua compaixão com o próximo. 

Mas como Start-Up é um drama realista, e não fantástico, o personagem ganha ainda mais profundidade ao ser permitido uma personalidade temperamental, característica que o diverge dos demais cuidadores da literatura/audiovisual, planos. Tal tridimensionalidade também é um dos fatores que cooperam para que o público se sinta empático em relação a ele: sua imperfeição causa identificação no espectador.

A princesa, o herói e o elo: uma análise do triângulo amoroso de Start-Up (Apostando Alto)

Comparando as características dos dois protagonistas masculinos, fica nítido o motivo da enorme batalha de fandoms shipps criada entre os espectadores em relação aos personagens, dividindo o público entre Team Dosan e Team Jipyeong de forma que cada fã torça pelo melhor desfecho para aquele com quem mais se identificam e sintam certa repulsa pelo outro, que se distancia de seus próprios ideais.

Nesta disputa de protagonismo masculino, entretanto, a personagem feminina quase é resumida ao papel de princesa indefesa, em um processo de objetificação que a coloca como um troféu para aquele que conseguir chegar ao seu coração ao fim da corrida de 16 episódios. Em comparação aos debates sobre os personagens homens, são poucos os espectadores que discutem o papel de Dalmi com maior profundidade, ignorando seu desenvolvimento.

Não é incomum que seus sentimentos fiquem de fora da maioria das conversas a respeito do triângulo amoroso, com o público torcendo por seu personagem masculino preferido sem levar em consideração os sentimentos da mulher, quando na verdade nem Dosan nem Jipyeong foram seu primeiro amor, e sim uma idealização criada pela própria em sua adolescência. 

No momento presente ela coopera com as tramas do destino ao demonstrar sentimentos por Dosan, unindo princesa e herói, ainda que isso implique em uma decepção de parte do público por ver Jipyeong, apesar de seus esforços, sendo jogado para fora do coração da protagonista, que o interpreta mais como um amigo e irmão do que um possível parceiro romântico. 

A princesa, o herói e o elo: uma análise do triângulo amoroso de Start-Up (Apostando Alto)

Os episódios finais de Start-Up estreiam nos dias 05 e 06 de dezembro de 2020 pela Netflix e, ainda que seu desfecho já seja certo com base em todos esses clichês abordados ao longo de sua narrativa, tudo foi construído de forma a alimentar o interesse do espectador romântico através de seu triângulo amoroso formado por personagens complexos e opostos, fomentando discussões e, consequentemente, o apelo do drama. É impossível impedir o espectador de shippar e opinar, e Start-Up usa isso a seu favor para se vender — o que funcionou perfeitamente, dada sua audiência e repercussão.
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