Lembro que eu sempre quis ter um cachorro, era meu sonho de infância. Devia ter por volta de uns oito anos de idade quando eu passava tardes brincando na garagem de casa e ficava espiando os cães de rua pela fresta do portão, me imaginando como seria ter um. Minha irmã, que já não morava comigo na época, tinha uma — chamada Belinha, posteriormente apelidada de Belinha Branca — e eu adorava brincar com ela, mas eu também queria ter o meu próprio bichinho, sabe?
Meus pais nunca revelaram o real motivo para não terem adotado um animalzinho naquela época. Lembro de vez ou outra tê-los ouvido falar sobre o quintal, mas agora, olhando para trás, tínhamos um quintal até que bem espaçoso. Mas isso é o de menos. Principalmente quando tudo começou a prosperar para que meu sonho se tornasse realidade.
Isso aconteceu em fevereiro de 2011 — como eu me arrependo de não ter anotado o dia exato! —, quando uma colega da minha mãe mandou mensagens dizendo que havia resgatado uma cachorrinha muito assustada a Rodovia Raposo Tavares e que precisava de alguém que a adotasse, pois ela não poderia ficar com a mesma. Minha mãe, sabendo que eu sempre quis um cachorro e que, agora, tínhamos uma casa mais espaçosa e propícia para criar um animal, mexeu os pauzinhos e conseguiu adotá-la.
Eu estava na escola — estudava de manhã — quando isso aconteceu, fizeram uma surpresa pra mim. Assim que cheguei em casa, cansada de um dia de aula, vi aquela coisinha pretinha e peludinha no quintal de casa. Eu não lembro qual foi a minha reação. Acho que espanto. Lembro que estava um pouco assustada, não sabia o que fazer, como pegá-la, se deveria me aproximar. Demos a ela o nome de Belinha. Demos banho. Demos comida. Demos amor.
Meu sonho havia se tornado realidade. Eu dizia a tantos anos que precisava de um cachorro e era muita verdade: como Belinha foi adotada das ruas, muitos podem pensar que nós a salvamos, mas isso não foi nada perto do que ela fez por mim. Eu tive uma adolescência bastante corrida pela rotina de estudos quase em tempo integral, mas adorava chegar em casa e dar um beijo no meu bebê.
Conforme fui crescendo, Belinha também foi crescendo. E não foi fácil para ela. Castração de emergência, retirada de tumores, inúmeros tratamentos de infecção urinária, cardiomegalia, doença do carrapato e diversos outros diagnósticos contra os quais ela lutou ao longo desses nove (quase dez) anos que ficou conosco.
Sempre muito forte, voltava de cada cirurgia com um sorriso no focinho e uma aparente vontade de viver muito mais. A cada vitória dela sobre essas doenças crescia também o meu amor e o meu carinho. Nesses últimos anos, em especial, conforme víamos seu quadro se agravar, criei um superprotecionismo imenso nela. Minha mãe dizia que eu a mimava, mas na verdade era ela quem estava me mimando quando aceitava o meu amor excessivo, recheado pelo medo de perdê-la.
Sempre fizemos o possível para que ela tivesse a melhor qualidade de vida possível, sabendo que algumas de suas doenças eram crônicas, irreversíveis. Corremos atrás de veterinários, fizemos dezenas de exames, outros inúmeros tratamentos, nunca nos recusamos a comprar um remédio — independente do valor elevado de alguns. Tudo porque sabíamos que o dinheiro era o de menos neste caso: manter a Belinha bem enquanto ela estivesse viva era o nosso único objetivo.
Neste último ano precisamos correr com ela com muita frequência. Perdi as vezes de quantas vezes entrei no Hospital Veterinário São Bento em 2020, de quantos novos médicos conheci, de quantos medicamentos ela tomou na busca por aliviar os sintomas de suas doenças. E quando achávamos que tudo estava controlado, que ela estava aparentemente bem e pronta para dar início a um tratamento endocrinológico, veio o susto.
Foi na última sexta-feira, 11 de dezembro, que Belinha começou a aparentar sinais de que não estava bem. Minha mãe e eu nos dividimos nos cuidados durante o final de semana e, sem evidências de melhora, levamos para o veterinário na madrugada de segunda-feira, onde nada foi feito, para ser sincera, mas desespero ao ver a Belinha sofrendo após uma consulta inconclusiva nos fez correr de insistir em conversar com outros veterinários até que, na quinta-feira, foi descoberta uma insuficiência renal que a internou de emergência.
Acordamos nesta sexta-feira, 18 de dezembro, esperançosos de que ela tivesse melhorado, mas às 8h fomos pegos de surpresa com uma ligação do Hospital Veterinário anunciando o agravamento de seu quadro, com três convulsões seguidas e nenhuma chance de melhora. Foi uma manhã difícil, mas optamos por colocar um fim ao seu sofrimento. Ela estava em muita dor. Não poderíamos ser egoístas em adiar sua ida somente porque não estávamos prontos para dizer adeus. Afinal, quando estaríamos? Acho que nunca estaria pronta para dizer adeus ao serzinho que mais amei em toda a minha vida.
Entre lágrimas e palavras de conforto me despedi de Belinha, que ficou no meu colo durante todo o processo da eutanásia. Sua ida foi indolor, tranquila, sentia a gratidão em seu olhar, fixo ao meu, por poder deixá-la descansar após tanto sofrimento. O choro foi inevitável, ainda choro enquanto escrevo isso e sei que ainda chorarei sua morte por muito tempo, mas também sei que fizemos a decisão certa. Havia chegado a hora dela. às 14h do dia 18 de dezembro de 2020 Belinha já não estava mais entre nós.
Arrumei uma caixa com fotos nossas e seus cobertores preferidos para que ela pudesse descansar em paz e a enterramos no quintal de casa, ao lado de sua prima homônima — lembra do Belinha Branca que comentei lá no início do texto? Era para diferenciar as duas, Belinha Branca e Belinha Preta. Só não imaginávamos que enterraríamos as duas no mesmo ano.
Eu não vou ser hipócrita. Eu desejava poder ter tido mais tempo com a minha Belinha. Recentemente comentei com a minha mãe que eu queria que ela vivesse pelo menos mais cinco anos para que ela pudesse me ver formada em minha segunda graduação, que irei dar início em 2021, mas ela sequer conseguiu esperar até eu me matricular no curso de Jornalismo.
Não a culpo, entretanto. Mal consigo imaginar o tamanho de seu sofrimento nesses últimos dia. Cada gemido, cada grito, cada respiração ofegante dela doía em mim, mas jamais poderei sentir o mesmo que ela sentiu. Se eu pudesse, teria passado por toda essa dor em seu lugar. O mundo é um lugar cruel demais e os animaizinhos não merecem isso. A Belinha era boa demais para toda a crueldade desse mundo.
Em minhas últimas palavras, orei a Deus para que a acompanhasse nessa nova jornada e ficasse com ela enquanto não chega a minha hora de ir a seu encontro lá no céu. Enquanto me despedia de Belinha em meus braços, fiz questão de lembrar dos momentos em que fomos felizes juntas. De agradecer por cada beijo, por cada carinho, por cada dia em que ela esteve ao meu lado, me acompanhando nos melhores e nos piores momentos de minha vida.
Dói dizer adeus, mas fico em paz sabendo que lhe cumpri com a minha promessa: de que ela morreria em paz, nos meus braços, onde ela buscava conforto quando estava triste ou pousava em busca de carinho nos momentos felizes. Meus braços ainda estão trêmulos pela falta dela, mas sei que, ainda que não mais a consiga segurar fisicamente, ela está comigo dentro do meu coração, onde ela habitará para sempre.
Belinha, eu só tenho a te agradecer. Obrigada por ter realizado meu sonho de infância e por ter feito da minha juventude muito mais alegre com a sua presença. Obrigada por cada momento de sua companhia, mesmo quando eu sei que você não queria ficar no meu quarto mas eu te forçava mesmo assim. Obrigada por ter me deixado te amar e por ter me amado de volta. Você me ensinou o que é amor.
Mais do que um cachorro, você foi como uma filha para mim. É muito difícil me despedir de você, minha gorducha, minha picurrucha, meu chulézinho, meu cu sujo (com o perdão pela palavra, mas era um de seus apelidos mais frequentes aqui em casa por motivos autoexplicativos), minha princesa, meu bebê, meu amorzinho, meu grudinho, minha coisinha, minha Isabela Machado Póss. Minha Belinha. Você sempre foi e sempre será o bebê da mamãe, mesmo quando já era uma senhorinha de 11 anos de idade, estimamos.
Obrigada por ter feito parte da minha vida. Obrigada por fazer parte da minha vida. Sua companhia me moldou e sei que serei uma pessoa melhor graças a tudo o que aprendi com você. Você, ao longo desses quase dez anos que passamos juntas, me ensinou a valorizar a vida, a valorizar cada momento que passamos junto ao lado daqueles que amamos, e pode ter certeza que eu sempre me lembrarei de tudo o que vivemos juntas.
Foi incrível ter te conhecido e sempre serei grata por tudo o que passei ao seu lado. Espero que você não tenha nenhum remorso de mim e ainda me me ame, pois o seu amor sempre foi a minha maior alegria. Vamos nos reencontrar algum dia e seremos felizes por toda a eternidade. Juntas. Como a mamãe e filhinha que somos.
Lembrarei de você não por seu sofrimento, que sei que você também deve querer esquecer para poder descansar em paz, mas pela sua alegria. Você foi corajosa como ninguém. Você foi mais forte que Diana Prince, Carol Danvers e Leia Organa juntas. Você foi (e é) a minha verdadeira heroína. Você é a minha serotonina. A responsável pelos meus sorrisos diários. Aquela que me fazia levantar da cama mesmo nos dias em que eu não queria viver, pois eu queria viver ao seu lado.
Você nunca foi uma cachorra muito ativa, do tipo que brincava e corria por aí, mas a sua preguiça coincidiu com a minha e acho que por isso que fomos uma dupla que deu tão certo. Dormimos até tarde, tiramos vários cochilos juntas e você sempre foi a minha companhia preferida de conchinha. Me aconchegar ao seu lado me dava segurança mesmo nas noites em que passávamos sozinha. Te ter em meus braços era um escudo mais poderoso que o do Capitão América.
Sei que você continuará me protegendo nas noites de chuva que tanto tememos, e eu me lembrarei do sentimento de te proteger em todo dia de Ano Novo, quando você tremia de medo em meu colo pelo barulho dos fogos. Você não terá de passar por isso esse ano. Você está segura agora. Em um lugar sem dor e sem medo. Se sentir minha falta, é só olhar aqui na Terra para me ver, você agora é meu anjo da guarda e sei que você irá me proteger. Sei que sentirei sua falta mesmo assim, mas nestes momentos abracarei uma foto sua e olharei para o fundo do meu coração, onde sempre irei sentir o seu amor e o meu amor por você.
Infelizmente não deu tempo de fazer a festa que planejávamos em fevereiro de 2021 para comemorar seu décimo aniversário conosco, mas celebrarei em meu coração por cada dia que vivemos juntas. Foi uma honra te conhecer. Foi uma honra ser sua — e sempre serei. Estamos fisicamente separadas agora, mas nosso fio vermelho jamais se romperá.
Eu te amo, minha eterna Belinha. Descanse em paz.
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