Originalmente publicado em 1985, O Conto da Aia (The Handmaid's Tale) é um romance distópico de Margaret Atwood que chegou ao Brasil em 1987 pela Marco Zero e foi republicado em 2006 pela Editora Rocco, sob nova tradução de Ana Deiró, e roupagem inédita lançada em 2017 na mesma casa editorial. Conhecida também por sua adaptação em série para o streaming Hulu, a obra é uma leitura tristemente necessária, na qual a distopia se vê muito semelhante à nossa realidade.
Segundo a sinopse oficial, O Conto da Aia "se passa num futuro muito próximo e tem como cenário uma república onde não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes. As universidades foram extintas. Também já não há advogados, porque ninguém tem direito a defesa. Os cidadãos considerados criminosos são fuzilados e pendurados mortos no Muro, em praça pública, para servir de exemplo enquanto seus corpos apodrecem à vista de todos. Para merecer esse destino, não é preciso fazer muita coisa – basta, por exemplo, cantar qualquer canção que contenha palavras proibidas pelo regime, como “liberdade”."
Nesta realidade distópica, um golpe de estado suspende a constituição dos Estados Unidos da América, transformando-o na república de Gilead e dando início a um modelo de governo hierárquico, inspirado no Antigo Testamento. Com o aumento da poluição e de infecções sexualmente transmissíveis, Gilead lida com a esterilidade de sua população e, para não cair em extinção, força mulheres férteis, conhecidas como aias, à reprodução.
O Estado é teocrático e totalitário. As mulheres são oprimidas, não possuem direitos e pertencem ao governo, tendo como único objetivo de sua existência a procriação. Ser homossexual, viúva, feminista ou infértil as tornam em não-mulheres, forçadas ao trabalho em colônias com nível elevado de radiação e, consequentemente, à morte.
São diversos os artigos que ressaltam como a obra, embora fictícia e futurista, é muito real e atual. Teoricamente vivemos em Estado Laico, mas o que vemos na prática é uma realidade — ainda que em menor grau (amém!) — semelhante à de O Conto da Aia, onde mulheres não possuem direito sob seus próprios corpos com base em condutas cristãs adotadas pela política, tal como a proibição do aborto, legislação ainda existente em muitos países, como o Brasil, salvo quando a vida da progenitora está em risco, quando a gestação é resultante de estupro ou por diagnóstico de anencefalia no feto.
Perseguição a feministas e homossexuais sempre existiu e, embora de fato discussões quanto aos direitos das mulheres e LGBTI+ sejam muito mais fortes e melhor recebidas hoje em dia que na época em que O Conto da Aia foi escrito, inclusive na grande mídia, a realidade também aponta que o ódio a essas comunidades tem sido muito naturalizado principalmente pela direita cristã-conservadora, que liga "grupos militantes", pejorativamente, ao movimento de esquerda, ao comunismo, a algo ruim e errado perante os ensinamentos bíblicos, em uma bipolarização política fanática. O medo de estarmos mais próximos de uma Gilead, de tamanho retrocesso, é cada vez mais real.
Embora seja dura, toda essa mensagem foi passada de forma triunfal pela excelente escrita de Margaret Atwood, que não a toa é citada como a maior autora canadense viva, no auge de seus 81 anos, agraciada ainda pela Ordem do Canadá por seus feitos. O livro, embora pesado devido ao seu caráter extremamente crítico, é de uma leitura viciante. O leitor fica tão intrigado com o enredo e tão encantado pela escrita fluída de Atwood que simplesmente não consegue parar de ler até o fim de suas 368 páginas.
O mesmo se diz de suas adaptações: o sucesso da série para a Hulu, The Handmaid's Tale, grita ao redor do mundo, responsável por colocar o livro novamente no centro das atenções, três décadas após seu lançamento. Ganha, ainda, uma edição resumida e em graphic novel, com suas críticas ressaltadas em vermelho gritante no traço de Renée Nault, que fez um trabalho perfeito em compreender o significado de O Conto da Aia, traduzi-lo para este formato híbrido de visual e verbal e, de quebra, ainda dar seu próprio toque à obra sem deixar que as mãos de Atwood se perdessem.
As adaptações são incríveis, de fato, mas não superam a força do livro, qual faço questão de enfatizar, mais uma vez, como sua leitura é tristemente necessária. É impossível não sentir compaixão pelas mulheres de Gilead, da mesma forma que, como leitora, é impossível não sentir medo de eventualmente me tornar uma. Não é uma obra de entretenimento, mas que te manterá fixado no livro por algumas horas — e conectado a ele pelo resto da vida, graças a todas as reflexões e ensinamentos que te proporcionará sua leitura.
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