Suzume, lançado em abril de 2023 nos cinemas do Brasil, é o mais novo filme de Makoto Shinkai, diretor e animador japonês conhecido por longas como Your Name (2016) e O Tempo com Você (2019), grandes sucessos de crítica e bilheteria. Seu mais recente projeto segue os mesmos passos, mas mostra um lado ousado do artista que está prestes a despontar de vez.
Suzume, protagonista que dá nome ao filme, é uma garota sem granes ambições cujo destino acaba se cruzando com o de Souta, um rapaz cuja obrigação é fechar portas que trazem destruição ao mundo. Suzume o ajuda a evitar um desses desastres, mas um gato de intenções complexas aparece e transforma Souta em uma cadeira. Agora, a dupla improvável viaja por todo o Japão, fechando porta arás de porta enquanto tentam restaurar a paz das próprias vidas e salvar o país.
Apesar da forte presença da fantasia, a história é muito próxima da realidade japonesa. Os vermes são inspirados na lenda de Namazu, criatura que, segundo a crença, vivia embaixo da terra e era responsável por causar os terremotos que acometem o país. A presença de Daijin, o gato-deus que desperta diferentes sentimentos no espectador ao longo da narrativa, também dá ao filme mais profundidade.
E enquanto Daijin se torna quase unanimemente o personagem preferido do público, o galã Souta passa por maus bocados. Suas madeixas longas, ao estilo Howl de O Castelo Animado (2004), ficam de lado durante grande parte do filme, já que o rapaz de boa aparência acaba sendo amaldiçoado a viver como uma cadeirinha infantil com uma perna a menos.
A jogada vai para além da bizarrice sentida pelo público antes do lançamento, com um trailer pouco informativo que dava margens para interpretações estranhas de um romance entre uma humana e um objeto. Não se deixe enganar por alguns segundos de vídeo ou tweets virais: isso foi de uma grande genialidade de Makoto Shinkai, além de um ato de rebeldia muito necessário.
Em entrevistas à imprensa, o diretor revelou estar cansado de histórias de amor tradicional. Para ele, Your Name foi o ápice deu trabalho no ramo do "garoto encontra garota" e Suzume seria um romance sáfico, mas a ideia foi barrada por um produtor do filme que considera "muito cedo" para o mercado japonês aceitar um romance entre duas mulheres.
Se rebelando contra a censura, Shinkai transforma o galã em uma cadeira para fugir do óbvio: "Para não tornar isso muito romântico, decidi fazer de seu interesse principal uma cadeira. Acho que também funcionaria se [Suzume] fosse um menino ou se ela fosse não-binária. Não é necessariamente o contexto de homem/mulher; trata-se de um ser humano superando algo. Em meus filmes futuros também quero focar nessa história humana em oposição a muitos comentários sobre gênero ou sexo", disse ao site Looper.
E embora, no fim das contas, Suzume acabe tendo um romance hétero tradicional em seu roteiro, é reduzido a um sub-enredo. Para Shinkai - e para o espectador -, o que realmente importa em Suzume é o fechar e abrir de portas, literal e emocional. As escolhas que fazemos para nos proteger e proteger aqueles que amamos, mas também as vezes que nos arriscamos em busca da felicidade. Mesmo que isso signifique viajar pelo Japão com uma cadeirinha em mãos atrás de um gato rebelde.
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